segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Podemos escolher amigos?

Já bate a primeira hora do dia. Uma da madrugada e cá estou escrevendo este texto. Noite quente esta aqui na capital. A cidade que nunca para nesse momento tira um cochilo pra encarar a segunda feira que se anuncia. Meu amigo Teixeirinha está no andar de baixo do beliche, refestelado na cama, roncando. É, o Teixeirinha ronca. Em alto volume, a noite inteira. Num compasso ora intenso, ora lento, feito um motor desregulado. Entre um solavanco e outro, meu amigo cruza a noite no seu merecido descanso; eu, à duras penas, vou me acostumando à situação.
Há quem diga que “amigos é a família que nos foi permitido ter”. Não sei ao certo de onde veio esta declaração, mas acho que o cara devia estar passando por uma crise de egocentrismo daquelas na hora que a proferiu. Ou por acaso você já escolheu algum amigo que hoje está aí do seu lado? Não escolhemos amigos como quem vai à feira e escolhe os melhores legumes para levar para casa. Amigo é amigo e ponto final. Se já criaram teorias que tentam explicar o fracasso ou o sucesso dos casamentos, dos relacionamentos profissionais ou familiares, ainda não vi nenhuma explicação convincente sobre o “nascimento” uma amizade entre duas pessoas. Podem até me falar de afinidades como gostos ou defeitos. Mas não sei se eles seriam os fatores preponderantes. Talvez sejam as sutis afinidades da alma que nos fazem amigo de alguém, que nos permitem participar da vida de outra pessoa nesse laço chamado amizade. É uma suave química, que se apresenta sem dar aviso, que a concebe. Pode durar a perpetuidade de uma vida inteira, ou ter a intensidade de uma amizade feita em uma viagem de ônibus.
Se existem amigos ou amizades perfeitas? Claro que não. Somos humanos, ora bolas! É sagrado direito o de sofrermos ou cometermos uma falha com um amigo. E é justamente para isso que humildade e sinceridade foram criadas. Para nos fazer perceber que somos falhos, e que nos sentimos mal por nossos atos. Amizade é exercício de humanidade, no sentido mais amplo da palavra. No fim das contas, por mais defeitos que aquele seu amigo tenha, é ele que nas horas mais difíceis está do outro lado do telefone agüentando suas chorumelas. Aquela sua amiga pode não ser lá muito “certinha”, mas é com ela que você se empanturra de chocolate quando o namorado dá uma mancada ou ainda, é aquela doida que te enche de coragem e faz você dançar com o bombeiro na sua despedida de solteira. Qual seria a graça das amizades se as pudéssemos escolher? Iríamos querer encontrar pessoas semelhantes a nós, que satisfizessem nossas vaidades, nossos pontos fracos.
Bem, já batem duas da manhã, melhor ir dormir. Quanto ao Teixeirinha? Ah, sim. Continua roncando. E continua sendo um bom amigo.

Este tal do politicamente correto

Bem, vamos com calma...
Deu o que falar na internet nestes tempos atrás um texto de autoria do Sr. Danilo Gentili, do programa “CQC” da Rede Bandeirantes de Televisão. No texto ele se utilizou de um termo, que não me cabe aqui julgamento, mas que para muitos foi considerado de teor racista. E então, fez o hecatombe.
Ficar discutindo aqui se o mérito da questão teve ou não um cunho racista poderia nos tomar horas de discussão que provavelmente não chegaria a uma conclusão contundente. É tudo uma questão de interpretação. Cada um absorve e interpreta uma informação de acordo com seus preceitos, de acordo com aquilo que lhe parece correto.
Fato: vivemos tempos do politicamente correto e, ao qualquer descuido, poderemos cair em maus lençóis ao dirigirmos determinada declaração. Evidente que isto não deve abrir o precedente para a banalização, para a superficialidade daquilo que escrevemos ou dizemos por aí. Respeito é bom e todo mundo gosta. Mas francamente não acredito que esta tenha sido a intenção do Sr. Danilo.
Não entendo a questão do racismo no Brasil. Parece existir por aqui certa “padronização” do que, quando, e onde se pode falar algo sobre alguém. Se um apresentador de televisão usa o termo “macaco” e o relaciona a uma loira, é racismo. Se chamo um amigo pelo apelido de Grafite, daí tudo bem. Se levarmos a ferro e fogo todo o tocante da questão, vamos então começar a prestar mais atenção naquilo que outras emissoras também dizem. Toda vez que a Globo, na transmissão do Carnaval, chamar o Neguinho da Beija-Flor por esta mesma alcunha, vamos também mandar calorosos e-mails à emissora platinada para que ela mantenha o politicamente correto. Já imaginou? “Agora o Luís Antônio Feliciano Marcondes vai puxar o samba enredo...” Ou então: “Lá vem o pequeno afro-descendente da Beija Flor, Luís Antônio Feliciano Marcondes, com o samba...” Esquisito né?
O que falta no nosso país são discussões sérias a respeito daquilo realmente importa para melhorar a vida da gente. Vamos nos sentir incomodados com este desrespeito, com esta falta de vergonha na cara daqueles que governam este país. Vamos nos sentir ofendidos com os impostos que a gente paga e que não vão para onde deveriam ir. Vamos nos sentir desrespeitados com esta lama que eu, você, todos nós engolimos dia após dia, vendo a educação pública do jeito que está, vendo o sistema de saúde do jeito que está. Vamos parar de nos esconder atrás de cortinas. Ainda existe desrespeito? Sim. Ainda existe este atraso de vida chamado racismo? Sim. Entretanto pertencemos a uma nação que permite o crescimento de vida à todos, pode acreditar.
Poderiam me permitir cinco minutos de franqueza? Vou insistir na opinião de que existem discussões de cunhos mais relevantes do que essa. É sempre bom lembrar que somos uma mistura de etnias. Vivo em uma cidade do interior de São Paulo, com grande influência italiana, há cerca de seis anos. E aqui enxergo um certo orgulho, um certo sentimento de diferenciação em algumas pessoas por conta disso. Para que? O respeito e a lembrança sobre a cultura vinda de nossos antepassados, aqueles que para cá vieram ajudar a construir esta nação devem sempre ser preservados. Mas, acima de tudo, somos brasileiros. Convivemos todos juntos, brancos, pretos, amarelos, azuis, laranjas e quantas cores mais você puder imaginar, todos debaixo do mesmo teto. Todos nesta mesma unidade chamada Brasil. E somente nosso próprio esforço, nosso trabalho duro, é que vai poder contribuir para termos um país cada vez melhor. Para todos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Diários da insensatez.

Estou triste. Não me pergunte por que. Mas neste momento, enquanto lhe escrevo estas coisas, algo dentro de mim está em desajuste, como se fora do plano ou sem saber direito para onde ir. Desculpe-me por estar dizendo isso, mas às vezes nos preocupamos tanto em querermos ser mais fortes, mais felizes, mais potentes, que muitas vezes não damos voz nem ouvidos à nossa impotência, nossa finitude em resolver certas questões. Em nosso cotidiano, o que nos pregam e nos impõe é a felicidade a qualquer preço, a busca pelo sucesso e satisfação com todas as nossas forças. E ao menor escorregão, a palavra de ordem é seguir em frente, levantar a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Minhas desculpas, mas hoje não. Hoje não vou monopolizar minha tristeza. Quero dividi-la com você.
Sou humano, ora bolas! Também tenho o direito de me sentir assim de vez em quando. Por mais que tente, que faça a roda girar, a próxima estação nunca parece chegar. Quando findará este amargor, esta inanição de espírito? Sinceramente, não deveria reclamar. Sou jovem, tenho energia de sobra para seguir em frente. Mas de algum secreto lugar me vem esta incapacidade, estas amarras me apertando os braços. Poderia reclamar da falta de um amor, da faculdade que ainda não comecei ou até mesmo dos tantos erros cometidos já consumados pelo tempo. Mas de que me adiantariam? Para onde iriam me levar?
Saudemos a tristeza! Vamos sair pela rua gritando louvores á nossa própria ignorância frente ao que realmente somos! De um quarto escuro o que me resta é apenas um canto baixinho, solitário, um fio de luz opaco a mercê da minha própria vontade. Talvez agora você esteja se perguntando: “Mas o que deu nele? Sempre tão cheio de vida, sempre com aquela vontade de querer ganhar o mundo!” Me desculpe se hoje o desapontei. Mas estou com a ligeira sensação de que parei no tempo...
Como sair deste atoleiro, sinceramente não sei. O que estou tentando fazer aqui é tão somente dar voz aos meus demônios. O que quero é lhe causar desconforto, é repartir com você um pouco deste enjôo, deste nó nas entranhas. Se olharmos com atenção, somos motivados pela alegria de viver. Mas também precisamos da tristeza para nos fazer sentir vivos, para nos lembrar de que nem tudo é feito de sorrisos. Grande parte da couraça da vida é feita de desapontamentos, de fracassos, de derrotas. Talvez eles até sejam a nossa verdadeira mola propulsora. Só não quero sucumbir. Não quero colocar tudo por terra. Mas agora te pergunto: o que fiz até hoje?
Superei expectativas, paguei com juros e correção monetária tudo aquilo que esperavam de mim. Mas e daí? Consegui preencher minhas próprias expectativas? Consegui idealizar meus próprios projetos? Dei vazão àquilo que faço de melhor? Às vezes tenho a ligeira impressão de que apenas contornei as imposições da vida da forma que me pareceu mais cômoda, mais confortável. E poderia abestalhadamente lhe confessar? Até agora, não sofri o suficiente. Tudo me tem parecido relativamente fácil. Não quero mais isso. Se for para sofrer, que seja por aquilo que eu acredite. Por aquilo que realmente seja meu projeto de vida. Mas por onde começar?

sábado, 18 de julho de 2009

Hora da redação, moçada!

Depois de um tempo longe da escola, resolvia arregaçar as mangas e encarar um cursinho pré vestibular. Apesar da experiência estar sendo tão prazerosa quanto espinhosa, a perspectiva para o futuro é a melhor possível. Só espero sobreviver aos inúmeros postulados da física e da matemática que os professores tentam heroicamente me ensinar. Equações, inequeações, conjunções verbais e gramaticais, redação... Ah, a redação. A arte de se colocar no papel uma história ou um ponto de vista acerca de um tema proposto. Que me perdoem os apaixonados pelas leis de Boyle ou de Newton, mas acho redação o maior barato. Amada por uns, odiada por outros, hoje ela escapa das fronteiras do vestibular. Escrever bem nunca foi tão necessário nos dias de hoje. No âmbito profissional, a universalização da internet como ferramenta de trabalho e o conseqüente estreitamento das relações pessoais provocou uma revolução na comunicação entre pessoas. Seja através de um e-mail, um memorando, um simples recado ou até mesmo uma entrevista de emprego, a capacidade da boa comunicação pela escrita tornou-se fundamental.
Caso você ainda não saiba, caro colega vestibulando, a redação possui grande peso para a sua nota no vestibular e ficar enchendo a lingüiça do texto com palavras bonitinhas para impressionar o examinador não vai livrar a sua cara, pode acreditar. Por trás de um bom texto existe muito trabalho. Somente uma boa idéia não basta; é necessária a correta aplicação de algumas regrinhas básicas. As gramaticais são óbvias, assim como a correta grafia das palavras. Para a moçada ligada na internet, o uso do “internetês” deve ficar reservado às salas de bate papo. Td ok, kra? Outra regra essencial é aquela que os professores de redação adoram chamar de “estrutura textual”. O que significa? Um texto objetivo, que sabe onde começou e mostra para onde quer chegar. Em outras palavras, um texto com começo, meio e fim. E se na hora da redação você erguer as mãos para o céu por que o tema é justamente sobre aquela reportagem que você leu no jornal ou viu no Fantástico, cuidado. Podemos nos perder no decorrer do texto com a explanação demasiadamente longa das idéias, tornando sua conclusão um martírio. Com estas regrinhas na ponta do lápis, a chance para uma boa nota da redação bate nos 50%. Mas e o resto?
O restante vem da sensibilidade, da força da interpretação de idéias. Na hora da prova, o tempo será nosso maior inimigo. E acreditar que num passe de mágica iremos incorporar um Luís Fernando Veríssimo ou um Carlos Drummond de Andrade será um fatídico engano. A combinação eficiente de boas idéias com o dinamismo na produção de um texto vem através de muito treino. E a facilidade com a escrita está intrinsecamente ligada ao gosto pela leitura. Entretanto, não podemos nos esquecer de que estamos num país onde a média anual de livros lidos entre os jovens é de cerca de 4,5 ao ano. E ao não desenvolvermos o hábito pela leitura, o ato de escrever torna-se um calvário, motivo de desinteresse por parte de alguns e desespero por parte de outros. Uma leitura cotidiana, feita sem obrigação ou encanação, enriquece o vocabulário e aguça a mente. Pode ser o jornal do dia, um livro do Machado de Assis ou uma história policial de bolso. O que vale é o interesse. O prazer pela leitura e pela escrita não enriquece apenas a nota do vestibular: enriquece a forma como a qual enxergamos a vida, a sociedade e o país no qual vivemos.

E quando é o próximo feriado, hein?

Brasileiro é mesmo pitoresco: reserva o feriado da Sexta Feira Santa do consumo de carne bovina, porém não deixa de reunir os parentes ou os amigos e faz aquela folia regada à peixe assado e muita cerveja. Tirando o cunho religioso da questão, é interessante analisarmos a dinâmica dos feriados nacionais. Primeiro vem a conferência, logo no começo do ano, dos feriados que vêm pela frente: com caneta e folhinha na mão são anotados um à um, com relevância aos feriadões, aqueles que caem na quinta, na sexta, na segunda ou na terça feira.
Feita a devida verificação, é hora do planejamento: brasileiro costuma planejar com muita antecedência os seus feriadões. Faz os cálculos, manda o carro para a revisão e deixa previamente combinado com o cunhado a data vindoura. Chegado o grande dia, carrega o carro com mulher, filhos, sogra, o boxer Rex, o casal de papagaios e se encaminha para o veraneio. Pode ser a casa do cunhado, do irmão que mora em Catolé do Rocha ou da mãe, que, coitada, que vai receber pelo menos mais uns três ou quatro filhos, todos com as respectivas famílias. Mas tudo bem. Em casa de mãe no feriado sempre cabe mais um, e o importante é o merecido descanso. Descanso? Bem, vamos dar uma olhada: você chega na casa do cunhado, do irmão, da mãe, etc. e lá começam as tarefas básicas, não necessariamente nesta ordem: cumprimentar os parentes, descarregar o carro, comprar gelo e carvão, ir no vizinho buscar uma dúzia de cadeiras emprestadas, limpar a churrasqueira e olhar as crianças correndo pela casa. As cenas são sempre as mesmas: o anfitrião da casa sempre com o sorriso no rosto; as mulheres, todas efusivamente alegres com a bagunça dos maridos; você, como um menino levado, jogando água no seu cunhado. No último dia do feriado, as cenas se repetem, porém com um pouco menos de entusiasmo: o anfitrião com a cara amarrada, louco de vontade de estar longe dali, em algum lugar longe da civilização; as mulheres, cansadas da bagunça dos maridos, permanecem jogadas em colchões e sofás espalhados pela casa, que à estas horas mais parece um campo de batalha; você, discutindo seriamente com seu cunhado sobre a conjuntura econômica do país ou sobre a situação política do Irã ao lado do tanque de lavar roupas, que nestas horas já virou o “cooler” para armazenar cerveja. Mas como tudo chega ao fim, inclusive o feriado, é hora de partir. No rosto do anfitrião pode-se notar um singelo sorriso de canto de boca misturado a uma ligeira sensação de alívio. Você carrega o carro com a mulher, os filhos, a sogra etc., etc., e parte para o intrépido calvário da volta ao lar: rodovias lotadas, demora nos pedágios, o boxer Rex latindo no banco de trás e os filhos reclamando da demora. No dia seguinte, no trabalho, seu colega faz a invariável pergunta: “E aí, aproveitou o feriado?” e você, com as olheiras de cansaço dos dias anteriores, manda a invariável resposta: “Nossa, muito!”.
Feriadão é assim mesmo. E quem nunca participou de um, que atire a primeira pedra. Há quem reclame da quantidade de feriados existentes no país. Mas vendo pelo lado do cidadão que trabalha (muito) e paga (muitos) impostos neste país, uns dias de folga são, quiçá, merecidos. Os únicos que não possuem este privilégio são certos políticos das esferas lá de cima: para alguns deles, o feriado é prolongado o ano inteiro.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

A Indústria das Responsabilidades

Vivemos nos dias de hoje tempos de certa “marketingzação” de Responsabilidades. Utilizei o termo em letra maiúscula já que ele nunca esteve tão em evidência nos últimos anos. Sejam elas sociais ou ambientais, não importa – o que vale é mostrar o compromisso de dada instituição para com o futuro de dada causa. Elas podem vir estampadas no papel 100% reciclado, na madeira com certificação de plantio e extração, na preocupação da marca de refrigerantes para com a reciclagem de suas garrafas PET ou na ação do supermercado de classe média alta em comercializar legumes e verduras livres de agrotóxicos. Nas empresas que se voltam para ações de cunho social, a grande dos cosméticos lança a linha de produtos com óleos de sementes colhidas por comunidades carentes; as da mineração e energia alardeiam em bonitos comerciais veiculados no horário nobre suas ações de assistência às milhares de pessoas que vivem em regiões afetadas por suas ações. Tudo muito bonito, organizado e transparente. Bem, me engana que eu gosto.
Parece que de uma hora para outra toda uma leva do mercado resolveu erguer a bandeira pela causa ambiental e social, como numa esperança de conversão à santidade no voraz mundo consumidor de hoje. A preocupação em estampar tantas responsabilidades é tão grande nesta primeira década do milênio quanto foram as ações de publicidade maciça ao consumidor e a conquista de novos mercados nos 70 e 80. A partir dos anos 90, entretanto, pesquisas sobre a ação humana no planeta tomaram maior corpo e descortinaram um apocalipse: o planeta estava aquecendo mais do que o normal, a poluição estava por terra, ar e água e as desigualdades sociais e seus conseqüentes problemas avançavam a galope pelo globo. Tratados foram assinados, governos foram pressionados, grandes empresas passaram por reestruturações em suas formas de produção e daí então o futuro do planeta nunca ficou tão na moda. ONG´s das mais variadas estirpes pipocaram pelo mundo, com seus empresários ambientalistas ou ambientalistas empresários prometendo os céus a quem estivesse disposto a colaborar (e pagar) por um futuro melhor para a Amazônia, para os pandas chineses ou para as crianças da Etiópia. Não são problemas de hoje. As mazelas da África, por exemplo, existem desde que o mundo é mundo, contudo só foram descobertas e infinitamente acentuadas depois que os brancos e abastados europeus por lá desembarcaram em busca de suas riquezas. Só agora, em menos de trinta ou vinte anos, é que ação humanitária pareceu ser um bom negócio. Em muitos casos, a justificativa de “estar fazendo a sua parte por um futuro melhor” abriu a chancela, desta vez legal, para a continuidade e agravamento da exploração de pessoas e recursos naturais em nome de demandas de mercado.
Evidente que não podemos generalizar. Mas separar ações verdadeiramente eficientes das puramente oportunistas requer muita informação e olhar crítico consciente por parte de nós consumidores. E não basta apenas apontar o dedo sentado na poltrona do comodismo. Assim como tantos estão repensando suas formas de produção, não estaria na hora de repesarmos também em nossos hábitos de consumo?
O aumento de poder de compra da população – especialmente a brasileira – promoveu nos últimos anos o acesso a uma variedade muito maior de produtos por uma parcela muito maior de pessoas. Diante desta recente maré de crescimento há até quem tenha visto no país o surgimento de uma nova classe média. Não apenas no Brasil como no resto do mundo, o consumo aumenta de forma assustadoramente exponencial. Todos os dias, aviões, automóveis, artigos eletrônicos, alimentos e bebês são produzidos pelo mundo, e equalizar a balança entre produção e demanda na maioria dos casos não é possível. Afinal, é assim que o sistema econômico mundial funciona, e não há Marx ou outro barbudo que faça isso parar, pelo menos na atual ordem mundial.
Além de discutirmos a forma como a qual o mercado avança diante de nós consumidores seria também de suma importância avaliar nossa postura diante dele. É cada vez maior o número de famílias que possuem mais televisores espalhados pela casa do que livros pelas cabeceiras; coleções de calçados que poderiam calçar um pequeno batalhão recheando o armário de apenas uma pessoa; alimentos em excelentes condições de consumo jogados fora todos os dias, devido ao desperdício e a falta de planejamento. Isso sem contar artigos de limpeza, eletroeletrônicos, medicamentos, todos indo parar na lata do lixo, aumentando diariamente uma montanha de indiferença frente ao planeta que vivemos e à tantos outros que moram nele e que possuem tão pouco. Alimentamos desta forma um mercado com apetite glutão pelo consumo desenfreado, deixando os menos favorecidos às margens da mínima dignidade. O fruto do nosso trabalho deve estar voltado, sim, para a melhoria do nosso padrão de vida. Todos nós merecemos o conforto material. Porém é cada vez maior esta cultura, típica de países desenvolvidos, de falsa pujança, de uma fantasia de valorização moral ou pessoal que usa o consumo como referencial. Países desenvolvidos que, por sinal, figuraram e ainda figuram nas listas dos maiores poluidores do planeta, e que desembarcam por aqui com seus missionários, institutos de pesquisa e dólares para a compra de créditos de carbono e fazendo, claro, a boa política de boa vizinhança.
Neste verde mundo do politicamente correto, aquele que ainda se situa perdido é o consumidor, que acaba por encontrar mil caminhos para ser menos agressivo ao planeta, e que, por falta de informação, acaba por comprar qualquer idéia que lhe pareça mais simpática. Alternativas não faltam. Os vegetarianos estão aí, os eco chatos também, a camisinha bio degradável e o Al Gore, idem. Na frente de tão sortidas opções, talvez ainda a melhor saída seja o velho e conhecido bom senso.

sábado, 18 de abril de 2009

Abobrinhas

Brasileiro vive a vida à base da felicidade em prestações e cheque pré datado...

domingo, 12 de abril de 2009

Quem matou Salomão Ayala?

Estava eu estes dias, num café da cidade, conversando com uma amiga, quando, sem querer querendo, acabei por escutar um grupo de jovens na mesa ao lado que, animadamente, discorria uma longa e interessante conversa acerca de telenovelas. Fiquei encafifado. Telenovelas. Uma verdadeira instituição nacional. Tem para todos os gostos, não fazendo qualquer distinção entre gênero, número e grau. Do doutor à secretária, da patroa à babá, todo mundo assiste, comenta e torce. Torce pra mocinha da periferia casar com o bonitão da alta sociedade, para o vilão malvado experimentar do próprio veneno as maldades cometidas. Final de novela então, mobiliza mais que final de Copa do Mundo. Acho que até o Presidente, depois do expediente, se achega com a primeira-patroa e dá uma olhadinha.
Novela no Brasil tem tradição de longa data. Começaram no rádio, muitas vezes transmitidas ao vivo. A partir de 1950, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, grande cadeia de jornais e emissoras de rádio, deu impulso à telinha no Brasil, e, treze anos mais tarde, em 1963, a “Telenovela” resolveu dar o ar da sua graça nos lares tupiniquins, com a exibição da trama 2-5499 Ocupado, na extinta TV Excelsior. O que torna a novela esse fenômeno de audiência? Primeiro, uma esperta combinação na grade de programação. Passa naquele horário logo depois do principal jornal da emissora, quando todo mundo ficou sabendo dos principais fatos do dia. Segundo, exibe tramas facilmente ligadas ao cotidiano das pessoas, que vão desde tabus sexuais, passando pela luta do bem contra o mal chegando até os conflitos entre classes sociais. O que mais me chama a atenção, porém, é a capacidade que ela tem de colocar pra fora, no conforto do nosso sofá, sentimentos guardados a sete chaves, que talvez em horas no divã não viessem à tona com tanta facilidade. Ou o que poderia explicar aquele sentimento de satisfação ao ver o impiedoso mal caráter comer o pão que o tinhoso amassou no último capítulo? Ou aquele estágio de “pré lágrimas” ao ver a mãe reencontrar o filho depois de anos numa procura incansável? Para mim, só Freud explica. Ou Glória Perez.
Obviamente, não podemos generalizar. Nem todos gostam de novela. Até o autor deste texto confessa aqui não ser muito fã dos folhetins. Para muitos, um documentário a respeito da, digamos, singela dança de acasalamento dos elefantes é de muito mais utilidade. O problema é ter assunto pro dia seguinte no trabalho, quando você topa com seu colega no corredor e ele comenta aquela sinopse do capítulo da noite anterior. E então, você comenta o que? Nada, resigna-se ao silêncio, pensando na incapacidade das pessoas em admirar a beleza dos paquidermes. Mas tudo bem. Para quem torce o nariz sobre a atração televisiva, é de louvável mérito o serviço que elas prestam à população. Uma novela informa, leva cultura, mostra o Brasil. Nos mais diversos cantos do país, ela consegue, com seu poder de interação, colocar o brasileiro à par de temas importantes da sociedade, gerando discussão, formando opinião. Oxalá se houvesse no país a mesma abrangência e efervescência de idéias em temas como saúde, educação ou ética na política, por exemplo. Mas isso é outra novela.

Sobre lembranças e vinhos.

Lembranças. Todos nós as temos guardadas a sete chaves dentro daquilo que a psicanálise chama de subconsciente. Se me permitem, prefiro chamar de coração. A cabeça é racional, calculista, sabe a hora que certas coisas devem ser postas na mesa. Já o coração não; é ele que sente, absorve para dentro de si e, numa hora sem mais nem menos, desenterra fragmentos de coisas passadas, que estão sempre ali, caminhando conosco dia após dia. Ressurgem do nada. Podem vir à tona quando passamos por um belo jardim e nele sentimos aquele cheiro familiar de grama cortada. No cinema, ao vermos um jovem casal se apertando juntinho num abraço carinhoso, podemos sentir as deliciosas sensações dos primeiros namorinhos da adolescência, que surgiam em meio à recém descoberta juventude, com toda aquela enchente de sensações e hormônios à flor da pele.
As lembranças podem ser boas ou ruins. Se forem boas, nos fazem soltar aquele sorrisinho besta, de canto de boca, nas horas mais inoportunas. Se forem ruins, bem, também carregam seu devido valor, pois são de muitas delas que tiramos as lições para sermos melhores pessoas a cada dia. Se de alguma delas ressurge a mágoa ou a ira por alguém, devemos então tomar cuidado. Podemos estar alimentando uma planta venenosa, que, definitivamente, não vai mudar em nada aquilo que já passou. A única coisa que podemos cultivar através destas lembranças ruins é a planta do perdão e da compreensão, esta sim, que dá bons frutos, essenciais para estarmos em paz conosco e com aquele que, pelos acasos da vida, acabou nos fazendo algum mal.
O mais interessante é que não conseguimos estabelecer direito quais acontecimentos serão guardados ou quais serão esquecidos. Se o encontro da última noite com aquela pessoa que você conheceu na fila do banco será memorável, digno de uma linda história ou dedicado às páginas do esquecimento, infelizmente, meu amigo ou minha amiga, isso só o tempo é quem vai dizer. Quantas recordações não guardamos de acontecimentos ou coisas banais, que, aparentemente, não fazem muito sentido à nossa vida presente? Ou atire a primeira pedra aquele que não guarde consigo o cheiro do lápis de cera da escola ou o barulho da porteira se abrindo no sítio dos avós. Coisas relativamente simples, mas que preservam, ao jeito de cada um, a textura do passado.
Sustento a tese de que nossas lembranças podem ser comparadas a um vinho. O que importa de verdade não é o valor, a marca ou o tempo de envelhecimento. O que importa realmente é quem está do seu lado naquele momento tão especial, apreciando a bebida gole por gole. Da mesma forma são nossas lembranças. O bacana delas é termos alguém especial para compartilhá-las, revelar nossos segredos mais bem guardados, numa troca inebriante de experiências, sensações sentidas, momentos vividos. Não possuímos, de todo, nossas lembranças. Elas apenas permanecem engarrafadas, esperando o momento certo para serem abertas e servidas. Se pudéssemos dar um nome à esta, digamos, bebida para a alma, poderíamos chamá-la, quem sabe, de “História da Vida”.

Certo, vamos tentar então.

É com muita alegria que inauguro este blog. O fato de colocar público algo que até então era assunto estritamente privado, muita vezes reservado somente a mim, meu computador e eventualmente a lixeira de arquivos é desafiador. Sempre gostei de escrever. Laborar durante uma, duas ou cinco horas em cima de um pensamento, uma impressão, ou como o próprio blog sugere, um ponto de vista é exercício de grande prazer.
Escolhi o título do blog pensando numa frase de Leonardo Boff em um livro chamado “A águia e a galinha - uma metáfora sobre a condição humana”. Todo ponto de vista é uma vista sobre determinado ponto. E é a partir da formação e evolução de nosso ponto de vista sobre as coisas que regem nossa vida é que abrimos novos horizontes para nos tornarmos melhores pessoas, conscientes de nosso papel na compreensão e evolução da sociedade como um todo. E como vocês poderão ver, são muitos os pontos no qual tentei ao menos dedicar um esboço sobre determinadas coisas. Vou procurar não me prender à temáticas constantes. E já estou aqui fazendo minha fezinha em cima dos meus textos. Fique á vontade para postar críticas, comentários e, caso sobre um tempinho, até algum elogio. Espero que goste.