domingo, 12 de abril de 2009

Sobre lembranças e vinhos.

Lembranças. Todos nós as temos guardadas a sete chaves dentro daquilo que a psicanálise chama de subconsciente. Se me permitem, prefiro chamar de coração. A cabeça é racional, calculista, sabe a hora que certas coisas devem ser postas na mesa. Já o coração não; é ele que sente, absorve para dentro de si e, numa hora sem mais nem menos, desenterra fragmentos de coisas passadas, que estão sempre ali, caminhando conosco dia após dia. Ressurgem do nada. Podem vir à tona quando passamos por um belo jardim e nele sentimos aquele cheiro familiar de grama cortada. No cinema, ao vermos um jovem casal se apertando juntinho num abraço carinhoso, podemos sentir as deliciosas sensações dos primeiros namorinhos da adolescência, que surgiam em meio à recém descoberta juventude, com toda aquela enchente de sensações e hormônios à flor da pele.
As lembranças podem ser boas ou ruins. Se forem boas, nos fazem soltar aquele sorrisinho besta, de canto de boca, nas horas mais inoportunas. Se forem ruins, bem, também carregam seu devido valor, pois são de muitas delas que tiramos as lições para sermos melhores pessoas a cada dia. Se de alguma delas ressurge a mágoa ou a ira por alguém, devemos então tomar cuidado. Podemos estar alimentando uma planta venenosa, que, definitivamente, não vai mudar em nada aquilo que já passou. A única coisa que podemos cultivar através destas lembranças ruins é a planta do perdão e da compreensão, esta sim, que dá bons frutos, essenciais para estarmos em paz conosco e com aquele que, pelos acasos da vida, acabou nos fazendo algum mal.
O mais interessante é que não conseguimos estabelecer direito quais acontecimentos serão guardados ou quais serão esquecidos. Se o encontro da última noite com aquela pessoa que você conheceu na fila do banco será memorável, digno de uma linda história ou dedicado às páginas do esquecimento, infelizmente, meu amigo ou minha amiga, isso só o tempo é quem vai dizer. Quantas recordações não guardamos de acontecimentos ou coisas banais, que, aparentemente, não fazem muito sentido à nossa vida presente? Ou atire a primeira pedra aquele que não guarde consigo o cheiro do lápis de cera da escola ou o barulho da porteira se abrindo no sítio dos avós. Coisas relativamente simples, mas que preservam, ao jeito de cada um, a textura do passado.
Sustento a tese de que nossas lembranças podem ser comparadas a um vinho. O que importa de verdade não é o valor, a marca ou o tempo de envelhecimento. O que importa realmente é quem está do seu lado naquele momento tão especial, apreciando a bebida gole por gole. Da mesma forma são nossas lembranças. O bacana delas é termos alguém especial para compartilhá-las, revelar nossos segredos mais bem guardados, numa troca inebriante de experiências, sensações sentidas, momentos vividos. Não possuímos, de todo, nossas lembranças. Elas apenas permanecem engarrafadas, esperando o momento certo para serem abertas e servidas. Se pudéssemos dar um nome à esta, digamos, bebida para a alma, poderíamos chamá-la, quem sabe, de “História da Vida”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário