sexta-feira, 12 de junho de 2009

A Indústria das Responsabilidades

Vivemos nos dias de hoje tempos de certa “marketingzação” de Responsabilidades. Utilizei o termo em letra maiúscula já que ele nunca esteve tão em evidência nos últimos anos. Sejam elas sociais ou ambientais, não importa – o que vale é mostrar o compromisso de dada instituição para com o futuro de dada causa. Elas podem vir estampadas no papel 100% reciclado, na madeira com certificação de plantio e extração, na preocupação da marca de refrigerantes para com a reciclagem de suas garrafas PET ou na ação do supermercado de classe média alta em comercializar legumes e verduras livres de agrotóxicos. Nas empresas que se voltam para ações de cunho social, a grande dos cosméticos lança a linha de produtos com óleos de sementes colhidas por comunidades carentes; as da mineração e energia alardeiam em bonitos comerciais veiculados no horário nobre suas ações de assistência às milhares de pessoas que vivem em regiões afetadas por suas ações. Tudo muito bonito, organizado e transparente. Bem, me engana que eu gosto.
Parece que de uma hora para outra toda uma leva do mercado resolveu erguer a bandeira pela causa ambiental e social, como numa esperança de conversão à santidade no voraz mundo consumidor de hoje. A preocupação em estampar tantas responsabilidades é tão grande nesta primeira década do milênio quanto foram as ações de publicidade maciça ao consumidor e a conquista de novos mercados nos 70 e 80. A partir dos anos 90, entretanto, pesquisas sobre a ação humana no planeta tomaram maior corpo e descortinaram um apocalipse: o planeta estava aquecendo mais do que o normal, a poluição estava por terra, ar e água e as desigualdades sociais e seus conseqüentes problemas avançavam a galope pelo globo. Tratados foram assinados, governos foram pressionados, grandes empresas passaram por reestruturações em suas formas de produção e daí então o futuro do planeta nunca ficou tão na moda. ONG´s das mais variadas estirpes pipocaram pelo mundo, com seus empresários ambientalistas ou ambientalistas empresários prometendo os céus a quem estivesse disposto a colaborar (e pagar) por um futuro melhor para a Amazônia, para os pandas chineses ou para as crianças da Etiópia. Não são problemas de hoje. As mazelas da África, por exemplo, existem desde que o mundo é mundo, contudo só foram descobertas e infinitamente acentuadas depois que os brancos e abastados europeus por lá desembarcaram em busca de suas riquezas. Só agora, em menos de trinta ou vinte anos, é que ação humanitária pareceu ser um bom negócio. Em muitos casos, a justificativa de “estar fazendo a sua parte por um futuro melhor” abriu a chancela, desta vez legal, para a continuidade e agravamento da exploração de pessoas e recursos naturais em nome de demandas de mercado.
Evidente que não podemos generalizar. Mas separar ações verdadeiramente eficientes das puramente oportunistas requer muita informação e olhar crítico consciente por parte de nós consumidores. E não basta apenas apontar o dedo sentado na poltrona do comodismo. Assim como tantos estão repensando suas formas de produção, não estaria na hora de repesarmos também em nossos hábitos de consumo?
O aumento de poder de compra da população – especialmente a brasileira – promoveu nos últimos anos o acesso a uma variedade muito maior de produtos por uma parcela muito maior de pessoas. Diante desta recente maré de crescimento há até quem tenha visto no país o surgimento de uma nova classe média. Não apenas no Brasil como no resto do mundo, o consumo aumenta de forma assustadoramente exponencial. Todos os dias, aviões, automóveis, artigos eletrônicos, alimentos e bebês são produzidos pelo mundo, e equalizar a balança entre produção e demanda na maioria dos casos não é possível. Afinal, é assim que o sistema econômico mundial funciona, e não há Marx ou outro barbudo que faça isso parar, pelo menos na atual ordem mundial.
Além de discutirmos a forma como a qual o mercado avança diante de nós consumidores seria também de suma importância avaliar nossa postura diante dele. É cada vez maior o número de famílias que possuem mais televisores espalhados pela casa do que livros pelas cabeceiras; coleções de calçados que poderiam calçar um pequeno batalhão recheando o armário de apenas uma pessoa; alimentos em excelentes condições de consumo jogados fora todos os dias, devido ao desperdício e a falta de planejamento. Isso sem contar artigos de limpeza, eletroeletrônicos, medicamentos, todos indo parar na lata do lixo, aumentando diariamente uma montanha de indiferença frente ao planeta que vivemos e à tantos outros que moram nele e que possuem tão pouco. Alimentamos desta forma um mercado com apetite glutão pelo consumo desenfreado, deixando os menos favorecidos às margens da mínima dignidade. O fruto do nosso trabalho deve estar voltado, sim, para a melhoria do nosso padrão de vida. Todos nós merecemos o conforto material. Porém é cada vez maior esta cultura, típica de países desenvolvidos, de falsa pujança, de uma fantasia de valorização moral ou pessoal que usa o consumo como referencial. Países desenvolvidos que, por sinal, figuraram e ainda figuram nas listas dos maiores poluidores do planeta, e que desembarcam por aqui com seus missionários, institutos de pesquisa e dólares para a compra de créditos de carbono e fazendo, claro, a boa política de boa vizinhança.
Neste verde mundo do politicamente correto, aquele que ainda se situa perdido é o consumidor, que acaba por encontrar mil caminhos para ser menos agressivo ao planeta, e que, por falta de informação, acaba por comprar qualquer idéia que lhe pareça mais simpática. Alternativas não faltam. Os vegetarianos estão aí, os eco chatos também, a camisinha bio degradável e o Al Gore, idem. Na frente de tão sortidas opções, talvez ainda a melhor saída seja o velho e conhecido bom senso.

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