terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Carolina

Decisões para ela sempre foram difíceis. Pequenas ou grandes escolhas lhe suavam a testa. Na infância tinha sérias dúvidas entre o picolé sabor abacaxi ou groselha; na adolescência, ficava por horas e horas entre o bom e velho sapato fechado ou o incendiário salto alto; um pouco depois, por volta dos dezoito, passou algumas noites pensando na faculdade que iria escolher pra vida. Não que fosse alguém sem eira nem beira; apenas não sabia lidar direito com tomadas de decisões.

Entre picolés, sapatos e os anos da faculdade, chegou aos quase-trinta sem namorado, “encalhada”, como diziam as amigas mais chegadas, e as menos também. Lembrava-se de sua mãe: “é muito indecisa, menina! Imagine quando casar!”

Casar? Não, a mãe só podia estar brincando com uma dose de sadismo cáustico. Quantas amigas, colegas do trabalho, todas, sem exceção, naquela corrida contra o tempo, esperando pelo tão sonhado príncipe, ou até, caso ele não surgisse, que fosse ao menos um plebeu com potencial.

Às vezes pensava no que seria o casamento. Um contrato conjugal de fidelidade, com termos e condições pré-fixadas? Ou um comercial de margarina, eterno enquanto durasse? Cautelosa, mantinha-se alheia a estas celeumas. Algumas vezes, escutava algumas histórias.

Numa delas, ficou sabendo que a quase-assistente da direção havia encontrado seu príncipe. Com direito a cavalo branco e tudo. Logo em seguida, aos prantos na sala de fotocópias, revelou que passados alguns meses de convivência num apêzinho quarto-sala, descobriu que o príncipe havia se transformado num acomodado sapo. Ele partira, deixando o cavalo branco, ou melhor, aquele pangaré, instalado no apartamento, com os excrementos espalhados pelo tapete da sala.

Diante dessas e outras ululantes histórias, tomou pela primeira vez uma firme decisão. Não se preocuparia com assuntos matrimoniais. Deixaria se levar pelas indas e vindas, e que o destino, aquele gozador, se encarregasse do resto. Passaria pelos quase-trinta e chegaria aos quase-quarenta se fosse preciso sem esquentar a cabeça com príncipes, cavalos e outras balelices do gênero.

Não iria embarcar na onda do matrimônio por atacado, se é que sabia direito o que isso queria dizer. Sua mãe, nessas horas, já perdia as esperanças. “Também, já viu aqueles sapatos? Estão horríveis!” desabafava.

Adorava cafés. Nas noites de terça ficava por horas numa cafeteria ao lado de casa, sentada num banquinho à meia luz, invariavelmente na companhia de um livro. Apareceu por lá numa noite de quinta, coisa que não tinha muito hábito. Trazia um livro de Neruda. Sentou-se no lugar costumeiro, e entre um latte e um irish coffee (maldita indecisão!) pediu o invariável expresso.

Notou a frente um fortuito sorriso. Na sua direção. Usava óculos retos, quase-caindo no nariz e lia Residencia en la tierra. Era um pouco mais alto que ela, tinha cabelos quase-pretos, quase-brancos. Usava sapatos marrons e tinha por volta de trinta e oito. O sorriso ainda estava lá, teimoso. Sentiu o suor escorrer na testa.

Por um instante hesitou, mas retribuiu o sorriso.

Estão juntos até hoje. Trocou o nome de solteira e até os sapatos.

3 comentários:

  1. Parabéns!!! escreves com a Alma elevada, o coração aberto e mente evoluida! siga sempre enfrente e para cima!

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  2. Caramba...será que é mau do nome!?! Adorei...

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